sexta-feira, 12 de setembro de 2014


011. Camilo & Frei Bartolomeu dos Mártires

          em Doze Casamentos Felizes (1861) [I]



          Viana do Castelo está a celebrar o V centenário do nascimento de uma das figuras mais ilustres, mais queridas e mais veneradas dos vianeses: Beato Frei Bartolomeu dos Mártires.
Filho de Domingos Fernandes e de Maria Correia, Bartolomeu nasceu, em Lisboa, na freguesia dos Mártires, a 3 de Maio de 1514. Ingressou na Ordem de S. Domingos, aos 14 anos, tendo professado, em 20 de novembro de 1529, com o nome religioso de Fr. Bartolomeu dos Mártires. Estudante dedicado e aplicado, concluiu os estudos de filosofia, em 1532, e os de teologia, em 1538. Já docente no Colégio de Lisboa, em Évora e em Lisboa, obteve o grau de doutor, em Salamanca, com provas públicas, em 17 de maio de 1551. A par da docência, foi precetor de D. António Prior do Crato.
Eleito arcebispo de Braga, em 3 de setembro de 1559, logo partiu para esta cidade, onde chegou, em 22 do mesmo mês, tendo sido recebido sem as pompas habituais.
Participa na terceira fase do Concílio de Trento (1562-1563), onde intervém ativa e polemicamente. Apresentou 268 petições, relacionadas sobretudo com os graves problemas, de vária ordem e a vários níveis, por que a Igreja Católica então passava, em Portugal e na Europa, e que eram de urgente correção e reforma. Regressado a Braga, logo procurou pôr em prática as decisões conciliares tridentinas, divulgando-as, por escritos, e pregando-as, nas inúmeras visitas pastorais que fez à extensíssima arquidiocese, que ia do Alto Minho ao Nordeste transmontano. Neste vasto território existiam, então, 1260 freguesias, cujos fiéis e membros do clero nem sempre seguiriam os princípios da doutrina cristã e os preceitos do catolicismo.
Foi prelado durante mais de 22 anos. Em 22 de fevereiro de 1582, resigna ao episcopado. Passa a residir no Convento de Santa Cruz (hoje de S. Domingos) de Viana da Foz do Lima, por ele mandado construir, bem como a igreja que lhe fica anexa, iniciados, respetivamente, em 1561 e 1562. Faleceu em 16 de julho de 1590. Os seus restos mortais encontram-se depositados em túmulo situado na capela-mor (lado direito) da igreja vianesa de S. Domingos.


Tendo levado uma vida de humildade, desprendimento e simplicidade, como arcebispo e como frade, esteve sempre pronto e disponível a, generosamente, socorrer os mais necessitados, desprotegidos e aflitos, ganhando, por isso, ainda em vida, a fama de «santo». O papa Gregório XVI declarou-o Venerável, em 23 de março de 1845. Mais recentemente, a 4 de novembro de 2001, João Paulo II proclamou-o Beato.
Pelas suas qualidades religiosas, intelectuais, académicas, morais e sociais, por um lado, e pelo desenvolvimento que promoveu em Viana, o Beato D. Fr. Bartolomeu dos Mártires é justamente considerado uma das mais ilustres figuras de Viana do Castelo.


       Não se estranhará, por isso, que inclua neste blogue as referências explícitas que Camilo faz a Frei Bartolomeu dos Mártires, em dois dos seus romances: Doze Casamentos Felizes (1861) e O Senhor do Paço de Ninães (1867). Isto, não obstante, a posição moderadamente discordante que tomou sobre o «patriotismo de Frei Bartolomeu dos Mártires», na crise de 1580. A polémica começou em 1866 e terminou no início do ano seguinte. Alexandre Cabral relata que «C[amilo] C[astelo] B[ranco] interveio na contenda, apoiando as afirmações [do jornal] O Partido Liberal, que tratara frei Bartolomeu de “vil traidor da Pátria e falsificador do sufrágio do povo”», em artigo assinado por Joaquim Alves Mateus, «cónego da Sé de Braga». [Cabral, 1989: 88; ver também Cabral, 1981, vol V: 7-61]. Saiu em defesa do arcebispo o jornal O Bracarense, bom como, entre outros, os jornais A União Católica e O Bem Público.
Abordarei, esta questão (patriotismo ou não patriotismo de Frei Bartolomeu dos Mártires, surgida na segunda metade do século XIX), em posts posteriores.


 A primeira referência explícita de Camilo a Frei Bartolomeu dos Mártires, no conjunto dos Doze Casamentos Felizes (que, pessoalmente, considero tratar-se de contos) encontra-se logo primeiro e diz apenas o seguinte:

[Branco, 1861: 29]

Este primeiro casamento, feliz, como os restantes onze, apesar das contrariedades (diferenças de idades, de status social, de estado e até de religião) dá-se entre a viúva D. Cândida de Lima e Luís de Cernache. Cândida era filha de um «grande fidalgo pobre» e viúva «de um marido velho, que lhe deixou boa casa, e muitas frescuras de annos, e optima disposição para se gosar de tudo isto.» Até à morte do pai, recolheu a um convento. Mas dele logo saiu, indo «residir em uma das suas quintas», vivendo «sozinha com as suas criadas.» Um dia, porém, bate-lhe ao portão Luís, «homem de trinta annos feitos». Fora passar uns tempos a casa de uns tios a Trás-os-Montes, na esperança de uma substancial herança. Ia recomendado a Cândida, por uma carta de uma tia desta, que vivia no Porto. [Branco, 1861: 13,14 e 15]
O par encontrou-se e ficaram logo apaixonados. Mais ela por ele que ele por ela. A tal ponto que estava disposta a acompanhá-lo para Lisboa, decisão que ele recusou. Está mesmo a ver-se, quem conhece a obra de Camilo, no que isto deu. E se não se vê, façam o favor de ler este «Primeiro Casamento»: ficarão a saber que Luís, regressado da capital, procurou Cândida, indo encontra-la num convento, tal como se refere o fragmento acima apresentado, casa onde ela, desgostosa, se tinha recolhido, logo quando Luís partira para Lisboa.
Sempre lhes direi, todavia, que o casal de casados foi visto e discretamente admirado por um dos narradores (Camilo, certamente, que, porém, ouvira a história deste casamento feliz, da boca de António Joaquim, amigo do três). O narrador principal vira e admirara o ainda apaixonado casal («dos dous casados – não podiam ser outra cousa»), a passear amorosamente «naquelas frescas e saudosas carvalheiras de Santo António das Taipas.» (O narrador Camilo desculpa-se da curiosidade e do que viu, uma vez que ele «não podia ser visto, acocorado como estava entre a ramagem de uns amieiros, pescando [bogas] á cana», no rio Ave. [Branco, 1861: 10 e 12]
Será necessário identificar «o historiador de frei Bartholomeu dos Martyres», referido no fragmento?!...
Nos dois próximos posts deste blogue abordarei outras referências explícitas do Escritor ao arcebispo bracarense. Por isso,

[Continuará]

NB - Em todas as citações, respeitei a grafia das edições consultadas.

Leituras
AA.VV., 2014: D. Frei Bartolomeu dos Mártires (Colectânea de Textos). Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo. (Org. de Rui A. Faria Viana).
BRANCO, C. C., 1861: Doze Casamentos Felizes. Porto: Tipografia da Revista.
CABRAL, A., 1981: Polémicas de Camilo Castelo Branco (Vol. V). Lisboa: Horizonte.
----------------, 1989: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
SOUSA, Frei Luís de, 1984: A Vida de D. Frei Bertolameu dos Mártires (...). Lisboa: IN-CM.

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