quarta-feira, 7 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (17)]


Convirá recordar, paciente leitor, que esta série de “posts” se deve ao facto de, há 160 anos, Camilo ter residido em Viana do Castelo, com o objetivo de se dedicar à redação d’A Aurora do Lima. A notícia da sua chegada (7 de abril de 1857) foi dada, neste jornal, no dia seguinte. Nela, porém, é referido, propositadamente, motivo diferente daquele, sendo, além disso, fornecidos dados imprecisos e/ou incompletos. [(Re)ver “posts” 01 e 02]
Necessário se afigurou, por isso, (re)ler a velha notícia de forma renovada. É o que tenho feito, tomando como principal fonte documental, cartas que, entre finais de dezembro de 1855 e princípios de abril 1857, o Escritor remeteu a José Barbosa e Silva (JBS), sobre o assunto. Durante este período de tempo, Camilo fala, de forma mais ou menos explícita, com maior ou menor desenvolvimento, do seu interesse em ser, de início, colaborador do Aurora e, pouco depois, seu principal redator. É o que se torna evidente, ao ler-se as quatro dezenas de cartas que então remeteu a José Barbosa e Silva (JBS).

Continuando a transcrição das referências, aqui dou a

3.ª)
Verás que principiei a história. Que te parece? o juízo escrito poderá ser mui diverso do tácito. Em todo o caso, a coisa é nossa, e o que houver de risonho nela só a nós fará rir. Já vês que não deixei esfriar a ideia. Tem cuidado na transcrição.
A respeito da Aurora, lembra-me uma coisa: eu podia mesmo de cá redigir os artigos principais, particularmente os que não tocam com as especialidades do distrito. Escrever indústria em general – Associação – interesses materiais – e até especialidades inspiradas por apontamentos teus. Iríamos assim fazendo já alicerces, e eu habituando-me ao género para o qual me é necessário materializar-me um pouco. Está provado que se não vive do belo ideal. As estradas-carris mataram as aéreas; é preciso descer para subir. Dirás a tal respeito alguma coisa; mas escreve-me do Porto para a Foz, para onde parto breve; e faz que a direcção da Aurora seja a mesma –
[...   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   … …  …   …   …   ]. Adeus, meu caro; diz ao Luis que me julgue bem acreditando ainda agora que eu vou ter a felicidade da vossa convivência. Recomenda-me aos outros teus manos, e dá um abraço em Sebastião de Sousa, sim? [Em carta datada de 02/07/1856]
{CABRAL, 1984 (I): 102. Respeitada grafia da edição consultada. Não transcrita em BARBOSA, [1919]}

Antes de tecer, em próximo “post”, as observações necessárias sobre este excerto, é de notar que, entre 11 de janeiro e 28 de abril de 1856, Camilo não escreveu cartas ao seu amigo do coração JBS. A não ser que, a terem sido remetidas, tenham sido queimadas.
É certo que os Barbosa e Silva se deslocavam frequentemente ao Porto e aproveitariam, certamente, a ocasião para visitar o Escritor. Aliás, é ao relato de um passeio que os três amigos, mais um, fizeram a Braga, partindo do Porto, em finais de junho do mesmo ano, que Camilo está a referir-se, quando diz que principiou a história. Como se há de ver, em próximos “posts”, quando fizer as observações necessárias à melhor compreensão do excerto epistolar transcrito.

Vejamos agora o que levou o Escritor a estar cerca de quatro meses sem enviar correspondência a JBS. A resposta encontra-se em breve carta (tipo telegrama) que, datada de «Porto, 28 de Abril de 56», enviou ao seu grande amigo de Viana:

Foi m[ui]to grave o prognostico da m[inh]a doença de olhos; mas hoje está averiguado que é efeito de venereo inveterado. Soffro ha 4 mezes uma diplopia (vista dupla). É horrível para q[ue]m não tem outra distracção alem da leitura. Tarde será o meu restabelecim[en]to; mas, valham-me as esperanças de não cegar, p[or] q[ue] isto importava um inevitavel suicidio.
{BARBOSA, [1919]: 121-122. Respeitada grafia da edição consultada. Também em Cabral, 1984 (I): 99]

A fim de não tornar muito pesado este “post”, basta, por hoje. Antes, porém, uma nota sobre Sebastião de Sousa, a quem Camilo manda um abraço. Xavier Barbosa diz que é Sebastião Maria d’Andrade e Sousa, e que foi «professor de francez no lyceu de Vianna». E, além disso: «Redactor e um dos principaes colaboradores da Aurora do Lima desde o seu começo, até 9 de Março de 1877, dia em que […] falleceu.» Termina revelando o «conceito» que Camilo tinha do homem: «um coração de ouro e uma intelligencia brilhante, mas modesta.» {BARBOSA, [1919]: 8, nota de rodapé n.º 8}
       Biografia de Sebastião de Sousa e três cartas que Camilo lhe endereçou encontram-se em CABRAL, 1984 (II): 161-166.

Até ao próximo!
E continue a (re)ler Camilo.

Referências
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camillo Castello, 19034: Duas Horas de Leitura. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião
                   de Sousa – II. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.

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