quinta-feira, 15 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (21)]


Ora, por que razão, os artigos de Camilo, sobre economia política, não foram transcritos no Aurora do Lima?
No excerto seguinte, encontra-se a resposta, retirado de uma carta para José Barbosa e Sila (JBS), onde, a propósito, se lê mais uma referência ao tema que me vem ocupando, a

6.ª)
[…] Nada tenho gosado com o estudo de ferro que faço em coisas novas, e indispensaveis n’esta materialissima época. A proposito de art[ig]os industriaes, sou de opinião que os não transcrevas, por que me despedi da Verdade, e tenciono não escrever senão mais quatro. Os folhetins vão ser completados no Clamor Público, jornal que principia a sua ephemera carreira no mez proximo, e p[ar]a o qual fui escripturado, até fim de 7[sete]mbro. A rasão da mi[nh]a sahida da Verd[ad]e foi quererem-me mutilar o romance «Lágrimas…» em coisas ortodoxas p[o]r que estes corruptos entendem que Deus e progresso são entid[ad]es incompativeis. Tem-me feito cabellos brancos estes alarves[*]!
[…   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …] 
[Esqueci-me dizer-te que o desenho rápido da casa é excelente.] [**] [Em carta datada de 24/07/1856]
{BARBOSA, [1919]: 11-12. Também em CABRAL, 1984 (I): 106-107.
Respeitada grafia das edições consultadas.}
[*] Alexandre Cabral transcreve «alvares».
[**] Este fragmento, que se encontra no final da carta, foi ignorado por Xavier Barbosa. Já na carta anterior, havia ignorado uma alusão à casa. [(Re)ver “post” anterior.]

Os artigos sobre economia política, designados industriais nesta carta, não foram transcritos no Aurora, porque Camilo deixou de escrever n’A Verdade. E despediu-se deste jornal, porque os corruptos (tenham sido eles, por hipértese ou não, alarves ou alvares), que mandavam no periódico, lhe mutilavam o Lágrimas Abençoadas, romance que, em folhetins, o Escritor vinha também publicando, no mesmo jornal. Tal como os da «Peregrinação sobre a Face do Globo», recorde-se.
De (re)ler é, também, para uma explicação mais desenvolvida e exemplificada dessas razões, segundo a perspetiva do Escritor, a interessantíssima «Carta ao Proprietario do “Clamor Publico”», Faria das Regras. Júlio Dias da Costa compilou-a em Dispersos de Camillo (Vol. II), que, na nota final, informa: «Esta carta foi publicada no Clamor Público, de 15 de Setembro de 1856». E mais: «Nesse número, o primeiro do jornal, e só nêle, figura como redactor principal A. B. S. Faria J. das Regras». E, além de outros mais, ainda este mais, a propósito do Clamor Público: «Nos primeiros números aparece Camilo na lista dos redactores, com Evaristo Basto, Alexandre Braga e Coelho Lousada.» [COSTA, 1925: 501-507 (carta) e 507 (nota). Também em MOUTINHO, 2016: 241-245]

Regresso ao Lágrimas. Camilo começou a escrever, a publicar e a ver interrompida a primeira versão deste romance, então com o título «Temor de Deus» / «Contos Morais», em 1852. A versão definitiva era a que estava a ser publicada no Verdade. Apesar das vicissitudes por que passou, este romance, «religioso na essência» - avisa o romancista, dirigindo-se «A quem o ler», em 1853 [BRANCO, 19064: 5 e 10] - acabou por sair em livro, em 1857. [Cf. CABRAL, 20032: 424-425]
Na verdade, o Verdade, e não só o Clamor, como na carta previa Camilo, tiveram uma existência efémera. O primeiro viu a luz em 17/09/55 e apagou-se em 27/12/56. [Cf. CABRAL, 20032: 804]. O segundo durou apenas um ano: 15/09/56 a 30/09/57. [Cf. COSTA, 1925: 528]
Na carta-folhetim ao proprietário do Clamor, o Escritor promete ao seu «caro amigo Faria Regras» a seguinte colaboração:

Começarei publicando a Peregrinação sobre a face do globo, já principiada noutro jornal. / A sensação que ella fez no paiz, e a ancia com que pelo mesmo é esperada a conclusão do meu utilíssimo trabalho, garante ao teu jornal um bôa colheita de assignaturas. [Cf. COSTA, 1925: 505. Respeitada a grafia da edição consultada.]

 O outro jornal, já sabemos, é A Verdade, que Camilo, satírico, classifica como «sotão, humido e mal-cheiroso», de onde diz ter saído, «há pouco», «com rheumatismo moral, e estonteamentos de cabeça.» [Cf. COSTA, 1925: 501].
E mais abaixo, acrescenta:

Depois da Peregrinação, dou-te um romance, intitulado: UM HOMEM DE BRIOS: está ligado a outro romance que podes comprar em casa de Cruz Coutinho; chama-se: ONDE ESTÁ FELICIDADE. / Verás que a felicidade está no dinheiro, ainda que seja falso. [Id.: 505-506]

E remata, assim, o seu compromisso de colaboração com o Clamor:

De mistura com estas coisas, irão alguns folhetins, se m’os inspirar a praia da Foz do Douro, onde vou todas s manhãs estudar os segredos do caranguejo, curar uma paralysia d’alma, e quebrar as pernas nas pedras escorregadias. [Id.: 506-507]

Repare-se no estudo de ferro que Camilo faz das coisas novas e indispensáveis [à profissão de jornalista e escritor, está implícito] nesta materialíssima época
De volta à casa, que bom seria rever o desenho de que fala na carta. Seria aquela em que o Escritor morou, há 160 anos (07/04 a 29/05/57), ali junto da capela de S. João d’Arga, na encosta do Monte de S.ta Luzia, e que foi, há uma dezena de anos [?], destruída?!... Uma vergonha cultural! Mais uma!

Entretanto, vamos continuando a ler e a entender.

Até ao próximo!
E continue a (re)ler Camilo.

Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camillo Castello, 19064: Lagrimas Abençoadas. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 20032: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
COSTA, Júlio Dias da, 1928: Dispersos de Camillo (Vol. II). Coimbra: Imprensa da Universidade.
MOUTINHO, José Viale, 2016: Camiliana 3 – Cartas Escolhidas de Camilo Castelo Branco. S/l: Círculo de Leitores.

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