terça-feira, 20 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (25)]


Eis a carta (n.º 55) que, apesar de Alexandre Cabral a colocar depois da que transcrevi e comentei nos dois últimos “posts” (n.º 54), deve, a meu ler, ser colocada antes, na cronologia epistolar de Camilo para José Barbosa e Silva (JBS). Como em breve procurarei mostrar. Assim, cá vai a referência

10ª)

MEU CARO BARBOSA.

[Dei as tuas ordens à D. Joana que as cumprirá pontualmente. Ela foi feliz, e a tua casa recebe uma boa administradora.] [*]
A minha resolução definitiva em q[uan]to á ida para Vianna é feita desde que ta dei. Sou menos versatil do que me conceituas. Os annos tem-me dado persistencia nas tenções, e o enojo d’esta gente cresce de dia p[a]ra dia.
Em q[uan]to á casa devo consultar-te: será máo gosto e terei de me aborrecer na aldeia? Convirá melhor passar o inverno na cidade? Uma caza de campo terá as comodidades precisas p[ar]a um homem emplasmado (frase eufrasina)?[**] As distancias serão incompatíveis com a m[inh]a saúde?
Vê tu isto. Entra no amago das m[inh]as necessidades, e diz-me de la alguma coisa q[ue] seja uma resolução. Estou pela tua.
Designada a casa, tenho de te incumbir de certas coisas pequenas, que me são indispensáveis.
A minha filha está boa; e D. Izabel soffre… parece q[ue] prophetisa. Ha de ser-lhe m[ui]to penosa a m[inh]a sahida; mas é força transigir. Eu aqui asfixio.
Despreza essa villanagem do “Timbre”. Organize-se, se é necessario combatê-lo, um jornal de boleeiros, e depois la se avenham. Na escrivaninha do escriptor grave é ás vezes indispensável o chicote; mas é preciso que as vergoadas encontrem uma cara onde assentem. Eu se la estivesse, tinha dito isto, e mais nada. D’aqui em diante, lia o jornal na cluaca.[***]
Estás disposto a augmentar a “Aurora”? Seria bom – dal-o barato – bem cheio – e acabar com essa farrapagem provincial.
Prepara-se uma revolta militar a favor da Regeneração. Deve haver pancada de cego. O general Ferreira não transige com ela. Espera-se o Saldanha para comandar. Isto é positivo; mas nada de o anunciar no jornal.
Ad[eu]s Recados a teus manos do

(Foz, 7 de Setembro de 1856.)[****]
teu Camillo.
{BARBOSA, [1919]: 15-16. Respeitada grafias das edições consultadas.
Também em CABRAL, 1984 (I): 116 e em MOUTINHO, 2016 (III): 320-321}

[*] Barbosa não transcreve este parágrafo. Alexandre Cabral transcreve, sempre, as cartas em itálico.
O autor do Dicionário de Camilo comenta que esta «amputação […] resulta da preocupação do coordenador [das Cem Cartas] em não desmentir o que afirmara no Proémio […]: chamar-se Ana a governanta, quando na verdade ela se chamava Joana.» E acrescenta: «O objectivo é evidente… e feio: apagar Ana Plácido da existência de Camilo – nesta época.» [CABRAL, 1984 (I): 117]
É sabido que Cabral é um dos biógrafos camilianos que defendem que a vinda do Escritor para Viana, em 1857, foi uma estratégia para, com a cumplicidade de JBS, se encontrar e conviver com a mulher de Manuel Pinheiro Alves, e não para tomar conta da direção do Aurora do Lima. Ana Plácida teria acompanhado, então, a irmã mais nova, Maria José, a quem teriam recomendado os ares da foz do Lima, com o objetivo de se curar da doença dos pulmões que a afetaria.
Manuel Tavares Teles, por sua vez, critica, negativamente, aquele comentário de Cabral. Escreve:
«Alexandre Cabral distingue uma D. Ana de uma D. Joana. / São a mesma pessoa. / Percorrendo a obra de Camilo poder-se-ia apresentar uma centena de exemplos de incongruências similares; mas, mesmo sem sair da correspondência Barbosa e Silva, algumas se podem fornecer: / Chama ao estalajadeiro de Viana, Perna de pau e Cara de pau. / Chama ao proprietário das diligências, João das Neves e Sebastião das Neves. / Chama à governanta, D. Ana e D. Joana. / São dois nomes tão consonantes e confundíveis como os outros pares que citei; aliás, Camilo escreve, duas vezes, Ana e, apenas uma, Joana; Alexandre Cabral é que decidiu, arbitrária e contra-intuitivamente, que o nome menos usado seria o correcto.» [TELES, 2008: 181]
[**] «Allusão á D. Eufrasia, hospedeira de Camillo.» [Anota, Barbosa, no rodapé 17, p. 15] Ver, a propósito desta hospedeira, “post” anterior. Moutinho, que segue a opinião de Cabral sobre a vinda de Camilo para Viana, diz, comentando esta carta, que o «vocábulo eufrasina refere-se a Carlota Eufrásia, a sua governanta». [MOUTINHO, 2016 (III): 321] Acontece, porém, que o nome correto da hospedeira e amiga íntima de Camilo é Eufrásia Carlota e não o inverso. Este camilianista deve ter trocado os nomes. Ou, então, estar a misturar o nome da mãe com o da filha. É que esta D. Eufrásia era viúva e mãe de uma menina chamada Carlota. [Cf. CABRAL, 20032: 711 e FIGUEIRAS, 2010: 245]
[***] «Por esta carta e pela anterior, vê-se que o enthusiasmo da lucta já por esse tempo escandecia o animo combativo do futuro polemista.» [Nota 18, rodapé, p. 16, de Barbosa]. A propósito, será de lembrar que a produção polemística de Camilo começou muito cedo. A primeira polémica (escrita, fora as físicas) em que se envolveu data de 1849, com O Jornal do Povo. [Cf. CABARL, 1981 (I): 43-52 e 20032: 632]
[****] Cabral não data esta carta da Foz, tal como Moutinho, que lhe segue a transcrição. Todavia, Barbosa sabia que, em 7 de setembro de 56, Camilo ainda lá se encontrava, a banhos, como se lerá em próxima referência epistolar.

Para não sobrecarregar, ainda mais, este “post”, fiquei-me pelas notas, a que acrescentei alguns comentários. No próximo, fixar-me-ei no conteúdo desta carta que mais diretamente diz respeito à cadeia de relações de Camilo com o Aurora do Lima.

Até ao próximo, então!
E continue a (re)ler Camilo.

 Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1981: Polémicas de Camilo Castelo Branco - Vol. I. (Recolha, prefácio e notas de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 20032Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
FIGUEIRAS, Paulo de Passos, 2010: «Camilo e Ana Plácido – Alguns factos inéditos da sua vida». Cadernos Vianenses (Tomo 44). Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 229-255.
MOUTINHO, José Viale, 2016: Camiliana 3 – Cartas Escolhidas de Camilo Castelo Branco. S/l: Círculo de Leitores.
TELES, Manuel Tavares, 2008: Camilo e Ana Plácido. Episódios ignorados da célebre paixão romântica. S/l: Caixotim.

2 comentários:

  1. Inesgotável, este filão do Camilo em Viana. Quanto mais o David "cava em ruínas" locais, mais se alarga o boqueirão onde jazem muitas peripécias, intrigas, meias verdades e hiatos a alimentar conjeturas. Um trabalho em que a argúcia e a paciência vão de mãos dadas até onde a rigorosa hermenêutica conduzir a investigação do David. Muito mérito!

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    1. Muito obrigado, Cláudio. É como dizes: realmente, as relações de Camilo com Viana e de Viana com Camilo precisam de ser aprofundadas e, em certos aspetos, reformuladas, face ao que se tem ouvido e lido. A ler, evidentemente. Abraço.

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