sexta-feira, 23 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (27)]


Afinal, quem transigiu não foi ela, foi ele. [(Re)ver post anterior]
O leitor já conhece esta carta de Camilo para José Barbosa e Silva (JBS). Foi transcrita no “post” de 12/05. Aí, para (continuar) a mostrar as relações amorosas existentes entre o Escritor e a freira D. Isabel Cândida Vaz Mourão. Aqui, depois de (re)ler, hoje, esse importante documento, tecer, em “post(s) futuro(s), os comentários julgados convenientes, mais diretamente relacionados o jornal A Aurora do Lima e o seu desejado e interessado novo redator.
Neste sentido, a referida carta é, agora, a referência

11.ª)

MEU CARO BARBOSA. 

Cauza-te espanto uma carta m[inh]a depois de outra q[ue] hontem receberias? Tamb[e]m a mim me maravilha escrever-t’a. São 11 horas da noite, e chego do Porto, com estes restos de coração atravessados n’uma roda de navalhas. É o caso:
Eu nunca disse a Izabel Candida as m[inh]as intenções a resp[ei]to de ir p[ar]a Vianna, p[o]r que previa o abalo, e receava os efeitos p[o]r ella e p[o]r mim, que sou um imbecil, quando sou cauza e ao m[es]mo tempo testemunha d’uma grande dor. Era m[inh]a tenção deixal-a recolher ao convento, e depois ca de fora escrever-lhe uma carta, longam[en]te meditada, de modo que o golpe fosse dado com punhal d’um só gume: isto é – tencionava mentir-lhe, dizendo q[ue] a minha hida era simplesmente uma tentativa p[ar]a o melhoram[en]to da m[inh]a saúde.
Hoje, indo eu levar-lhe m[inh]a filha, que se achava aqui há 3 dias, recebeu-a chorando, sem querer dizer-me a razão p[o]r que. Muito instada, prorompeu n’uma acusação quase virolenta á m[inh]a ingratidão, e acabou p[o]r me dizer q[ue] sendo ella a m[inh]a amiga era a ultima q[ue] devia saber que eu sahia do Porto. Da violência passou para a mansidão das lagrimas suplicantes, e por fim acabou por ser assaltada d’um terrivel incommodo que me assustou. N’este estado, foi-me impossível dizer-lhe uma so palavra de consolação. M[inh]a filha chorava, e o medico Ferr[ei]ra que eventualmente occorreu n’este ensejo, fez-me sentir que a organização enfraquecida da pobre m[ulh]er podia facilm[en]te succumbir a semelhante choque. Eu estava parvo, e parvo sahi quando a noite já adiantada me obrigou.
Aqui tens uma situação bem especial – uma das mi[nh]as deabolicas situações, em q[ue] o coração revive em toda a compaixão q[ue] as m[inh]as proprias desgraças não tem podido desvanecer p[ar]a] com os outros. Isto é uma fatalid[ad]e de q[ue] não ha partido a tirar. É-me impossivel, já agora, ser meu. Ha de haver sempre em mim um pensam[en]to bom q[ue] me escravize ao mal. Sou como aquelle que mede a profundid[ad]e do abysmo, e não tem a resolução de recuar.
Vamos remediar d’algum modo isto meu caro Barbosa. Eu adevinho q[ue] a tua boa alma não é estranha aos sentim[en]tos da minha. D’estes sabes tu sentil-os melhor q[ue] eu. Penso até que m’os louvas, e serias o primeiro a dizer-me «não desampares essa pobre m[ulh]er, que tem contra ella a id[ad]e a dizer-lhe que os seus annos já não podem vencer os calculos d’um homem»[.] Isto é duro, e chora-me o coração figurando-me a alma de I[sabel] Candida, q[ue] não tem em si recursos p[ar]a a defeza d’uma ingratidão. Como poderemos remediar isto? Ha um modo q[ue] tu recuzarás, mas eu não deixo p[o]r isso de t’o propor. Eu serei d’aqui redactor do teu jornal. Uma simples carta tua com poucas palavras será sufficiente inspiração p[ar]a artigos especialmente consagrados ao Destricto. Mandarei regularm[en]te 3 artigos politicos-economicos p[ara] o jornal, e 3 correspondencias que devem substituir as do Novaes, que eu acho m[ui]to inferiores a uma patacoada. Alguns extractos e correspondencias bastarão p[ar]a encher dignam[en]te a folha. Se, todavia, p[o]r q[u]alq[ue]r consideração, não queres apear o Novaes, eu escreverei m[ai]s q[ue] os 3 artigos, e forjaria uma apparente correspondencia de Lx.ª [Lisboa][.] Convencido estou de q[ue] a m[inh]a assistencia ao pe do jornal não o tornaria p[o]r isso mais lido nem m[ai]s em dia, n’uma terra onde é reflexiva a politica, e donde d’um dia p[ar]a o outro tu me avisas dos pontos em q[ue] convem tocar.
Não sinto precisão de te dizer m[ai]s[.] Tu é que me deves escrever logo q[ue] resolvas, na certeza de q[ue], p[o]r um motivo m[ui]to nobre, terei grande pezar q[ue] recuzes. Devo dizer-te q[ue] me contento, em paga, com a q[ue] darias a qual[que]r redactor que p[ar]a ahi fosse. Pareceu-me dever notar isto como uma circumstancia que te faria pensar alguns instantes.

(Foz, 11 de Setembro de 1856)
                                                                       Teu Camillo
[Barbosa, [1919]: 16-19.  Respeitada grafia da edição consultada.
Também em Cabral, 1984 (I): 117-119]

        Então, até ao próximo!
         E continue a ler Camilo! Por exemplo, Carlota Ângela, romance originalmente publicado em Viana do Castelo, no Autora do Lima, em folhetins e depois em livro (1858). Nele encontrarão uma «soror Rufina», do Convento de S. Bento da Avé Maria, uma «religiosa ilustrada» e uma «senhora tolerante».

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.

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