quarta-feira, 28 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (28)]


Já lá vão alguns dias sobre a publicação do “post” anterior. Será recomendável, por isso, fazer-lhe uma visita. Caso, evidentemente, julgue necessário. Lembro que, nele, (re)transcrevo, na íntegra, uma longa e interessantíssima carta de Camilo para José Barbosa e Silva (JBS), datável de 11 de setembro de 1856. Carta que, depois da habitual saudação/tratamento de abertura, arranca assim, retoricamente perguntando:

Causa-te espanto uma carta minha depois de outra que ontem receberias?

É provável que o amigo destinatário tenha sentido, de facto, espanto. Mas não tanto pela receção, no mesmo dia ou dias seguidos, de duas cartas do Escritor. Nem mesmo pela cena, emocionalmente vivida com D. Isabel Cândida, a freira, sua amante, agravada por ter acontecido na presença da inocente Bernardina Amélia, sua (dele) filha natural.
A meu ler, o motivo principal do presumido espanto de JBS seria outro, bem outro. Como, possivelmente, será de cada um de nós, face às espectativas de bom sucesso da sua vinda, em breve, para Viana, perante o conteúdo das cartas anteriores. Camilo, não obstante, de um dia para outro, comunica ao seu grande amigo que já não virá, embora se manifeste disposto e disponível a ser, do Porto, o novo diretor do Aurora do Lima.
Mas o presumido espanto de JBS (e nosso) mais nítido se torna, lendo com atenção as tais duas cartas anteriores à de 11 de setembro. E analisando-as, verifica-se que a sua sequência cronológica e correspondente numeração não pode ser a que Alexandre Cabral lhes dá. Não foi por acaso que Xavier Barbosa não compilou uma dessas cartas, precisamente aquela que melhor explicaria a razão do espanto ou inesperada surpresa.
Referencio, no quadro seguinte, as três cartas em causa, com base nas edições publicadas:

CARTAS
DATA
RESPOSTA
EDIÇÃO
“POST”

Não compilada por Xavier Barbosa
N.º 54
[Setembro de 1856]
14/09/56
CABRAL, 1984 (I): 114-5  
VIII
(Foz, 7 de Setembro de 1856)
N/ indicada
BARBOSA, [1919]: 156
N.º 55
[7 de Setembro de 1856]
»
CABRAL, 1984 (I): 116

IX
(Foz, 11 de Setembro de 1856)
N/ indicada
BARBOSA, [1919]: 16-9
N.º 56
[11 de Setembro de 1856]
14/09/56
CABRAL, 1984 (I): 116

É de espantar (para continuarmos no âmbito deste sentimento) que Alexandre Cabral proponha que Camilo escreveu  carta n.º 54 num dia incerto de setembro de 56. Todavia, no comentário que faz a esta mesma carta, diz que dela, além de inédita, viu o respetivo autógrafo e, mais, que nele está «a indicação de: “R. em 14. Viana”.» Decodificando esta última citação, o camilianista esclarece, a exemplo de outras semelhantes, que, na carta n.º 54, JBS anotou ter respondido à referida carta, de Viana, no dia 14 (de setembro de 56, como é contextualmente pressuposto).
Assim, como pode esta carta ter sido escrita em qualquer dia desse mês de setembro? É evidente que foi entre 1 e 13. Repare-se, porém, que é no mesmo dia 14 que, segundo informa Cabral, José Barbosa e Silva responde à carta n.º IX ou 56, datável de 11 de setembro.
E é altura de recordar o excerto do espanto acima transcrito. A «outra carta que ontem receberias» só pode ser a carta n.º 54. E se a recebeu ontem, ou seja, a 10 de setembro, só pode ter sido escrita no dia 8 ou 9. Aliás, é nesta carta 54 que Camilo faz declarações que só podem ser entendidas como respostas a perguntas ou questões postas na carta n.º VIII ou 55, datável de 7 de setembro, mas em cujo autógrafo Cabral não encontrou (ou omitiu) a anotação de JBS lhe ter respondido.
Ora leia-se e compare-se:

CARTA N.º 54 [Setembro de 1856]
CARTA N.º VIII ou 55 [07-09-1856]
Convenho no teu alvitre a respeito da casa. O local indicado é excelente, mas não venha a aguar-me o prazer do horizonte o nevoeiro, prenhe de catarros. Se eles são frequentes, será melhor avizinhar-me dos montes. Não o sendo, faz-me locatário de alguma dessas casas.
Em q[uan]to á casa devo consultar-te: será máo gosto e terei de me aborrecer na aldeia? Convirá melhor passar o inverno na cidade? Uma caza de campo terá as comodidades precisas p[ar]a um homem emplasmado […]? As distancias serão incompatíveis com a m[inh]a saúde?
Vê tu isto. […] diz-me de la alguma coisa q[ue] seja uma resolução. Estou pela tua.
Enquanto a móveis, se em Viana se vendem os indispensáveis para uma mobília económica, é mau governo levá-los de cá. Se eu quisesse uma decoração rica, então sim  […]. Quantum habeo mecum porto. O que é indispensável é mandares-me fazer uma estante para livros, de pau barato (castanho ou pinho) […]. Coisa de dois patacos o máximo.
Designada a casa, tenho de te incumbir de certas coisas pequenas, que me são indispensáveis.
Enquanto ao anunciar-se o aumento, e redacção nova do jornal, faz o que achares mais conveniente a bem do jornal.
Estás disposto a augmentar a “Aurora”? Seria bom – dal-o barato – bem cheio – e acabar com essa farrapagem provincial.

Resumindo e concluindo (este "post"): estas duas cartas trocam de posição na sequência cronológica por que são ordenadas por Alexandre Cabral.

Já agora, por que razão Xavier Barbosa não compilou a carta n.º 54? A meu ler, para, também assim, proteger a imagem pública do seu venerado Camilo. Trata-se de uma carta onde o Escritor mostra aceitar e concordar, em definitivo, com as condições de, enfim, vir para Viana e aqui redigir e dirigir o Aurora do Lima. Na carta IX ou 56, Camilo nega parte do pactuado com o generoso amigo. Afinal, o cavalheiro seria, de facto, versátil, apesar de na carta (ainda) n.º 55 replicar que já não o era. Pelo menos tanto quanto o conceito que dele fazia(m).
Camilo, porém, mostra-se disponível e disposto, não só, para continuar a escrever para o jornal vianês, mas também a aumentar e a diversificar a sua colaboração. Bastaria que (contento-me) que lhe pagassem o mesmo que a um qualquer redator que para Viana viesse.
E depois? Como se chegou a 7de abril de 1857?

Até ao próximo!
E continue a ler Camilo!

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.

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