sexta-feira, 30 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (29)]


Camilo, conforme se leu nos dois “posts” anteriores [23/06 e 28/06/2017], rompeu, unilateral e subitamente, o que havia pactuado com José Barbosa e Silva (JBS): ser o redator presencial d’A Aurora do Lima.
As relações entre ambos parece não terem sido afetadas: por um lado, o Escritor não só continuou a publicar no jornal, como aumentou e diversificou a sua colaboração; por outro, JBS deve ter manifestado, na resposta que, em 14 de setembro, deu à carta de 11, compreensão pela decisão do amigo. Aliás, o rompimento das relações com o então já célebre romancista e experiente jornalista não lhe traria benefícios, tanto para si como, sobretudo, para o Aurora.
Cerca de oito dias depois, Camilo retoma a correspondência. Escreve a JBS uma carta, que Alexandre Cabral data de 23/09/56, baseado no «carimbo dos correios» portuenses, visto no autógrafo, onde também leu: «tem a indicação de “R[esposta] em Out[ubro] 6”. Viana”.» [CABRAL, 1984 (I): 120-121].
Desta interessante carta, o excerto (quase toda a missiva) seguinte constitui, neste “post”, a referência

12.ª)
Já deves possuir três cartas, ou três estopadas de tiras magras, como o seu autor. Animou-me o teu aplauso, e continuarei a ser muito regular, não faltando com 2 correspondências, dois artigos, e alguma poesia própria de folhetim. Escusas, pois, de fazer economias de tiras. Como continuam cartas do Novais, algum ligeiro trabalho, mas indispensável, de tua lavra, encherá a folha de modo que não fatigue. Eu hei-de mandar-te correspondências que farão bulha no Porto, e o jornal será procurado[*]. A próxima que receberes será uma dessas. Dou uma ensaboadela decente, e reservada no visconde de Vila Nova da Rainha, insigne pulha. Vi hoje na Aurora um artigo que coincide com o que deves hoje receber. A matéria não perde com a repetição. Podes porém fazê-lo preceder das seguintes ou equivalentes linhas:
«Não achamos sobeja censura a que nos é provocada pelos indecorosos trâmites com que se procura subjugar o espírito público no mais sagrado dos direitos do povo: a opção dos seus representantes! A circular do arcipreste de Guimarães será o incentivo dalgumas linhas que devem adicionar-se ao nosso artigo de sábado 20 de Setembro.»[**]
Quando o jornal aumentar, aumentarei o trabalho, e crê que não haverá outro que me faça esquecer este.
A respeito de paga, não digo nada. O que quiserem. Lamento não estar nas circunstâncias de me ofender com a tua pergunta.[***]
D. Isabel, que estava para recolher ao Convento, resolveu ir para Lessa. Minha filha está boa. Eu recolho ao Porto em princípio de Outubro. Estou farto disto, e dou-me mal com o nitro do mar. [****]
{CABRAL, 1984 (I): 120. Respeitada grafia da edição consultada.
Não transcrita em BARBOSA. [1919].}

[*] Como se verá, quando tratar os textos que Camilo publicou no Aurora, é a partir da segunda quinzena de setembro de 56 que a sua colaboração, neste jornal, se torna mais frequente e regular.
[**] Informa Alexandre Cabral que esta nota enviada por Camilo precede, de facto, «o artigo que Camilo enviara, a dar “uma ensaboadela decente, e reservada no Visconde de Vila Nova da Rainha, insigne pulha.”» O referido artigo saiu, «sem assinatura, n’A Aurora do Lima do dia 25/IX/1856 (n.º 116).» Esta análise comparativa contribui também para Cabral datar esta carta de 23 de setembro.
O «insigne pulha» - esclarece Cabral - de que o Escritor fala não é o «visconde de Vila Nova da Rainha», mas sim, «sem sombra dúvida, do Visconde de S. Paio (Gaspar de Azevedo de Araújo e Gama), que era efectivamente o contestado governador civil de Viana e a Aurora do Lima atacava sem folgas.» [CABRAL, 1984 (I): 121] Sobre este visconde, ver também “post” publicado em 11/06/2017.
[***] Trabalho de jornalista, cronista, poeta e romancista pago, evidentemente. Mas depois da quebra do compromisso acordado, está condescendente: o que quiserem. A escrita era o modo de vida de Camilo, a sua fonte única de rendimentos.
[****] D. Isabel Cândida Vaz Mourão, em vez de regressar ao convento portuense de S. Bento da Avé Maria, foi a banhos para Lessa, diz Camilo. As suas relações íntimas com esta freira devem ter sofrido um rude golpe com a cena contada na carta anterior e de que resultou, então, a não vinda do Escritor para Viana e para o Aurora. Camilo continua a banhos na Foz. Mas farto disto.

E depois? Que novidades nos trarão as próximas cartas de Camilo, sobre as suas relações com JBS e o Aurora do Lima?

Até ao próximo!
E continue a (re)ler Camilo. Por exemplo, A Doida do Candal (1867). Estejam atentos que, aqui e ali, o Escritor troca os nomes de personagens ou atribui-lhes estados diferentes.

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.

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